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QUANDO A VIOLÊNCIA É PRATICADA PELO PODER PÚBLICO

15 jun QUANDO A VIOLÊNCIA É PRATICADA PELO PODER PÚBLICO

A transição demográfica por que vem passando o Brasil nas últimas décadas impõe que se reflita sobre o envelhecimento da sociedade brasileira e que se tome consciência das importantes consequências sociais que a revolução da longevidade nos apresenta. Somos um país envelhecido, que não se preparou para afrontar essa realidade.

Com o avanço acelerado do percentual de pessoas idosas no Brasil, mais urgente se apresenta a necessidade de conhecermos a legislação protetiva deste segmento etário.

Há mais de 15 anos, o Estatuto do Idoso – Lei Federal 10.741, de 1º de outubro de 2003 – estabelecia: “Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” Não obstante o mandamento legal (art. 6º) que impõe a qualquer cidadão o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação aos direitos consignados no Estatuto do Idoso, basta olharmos ao redor para sabermos o quão distante ainda nos encontramos desse ideal.

Daí a importância de dedicarmos um dia à conscientização e ao enfrentamento à violência contra a pessoa idosa (15 de junho) para que o tema, publicamente discutido, receba a visibilidade necessária e o devido enfrentamento.

O Estatuto do Idoso (art. 19) afirma, ainda, que qualquer ação ou omissão que fere o bem-estar físico e/ou emocional da pessoa idosa, não importa se praticada uma ou muitas vezes, em lugar público ou privado, é uma violência.

E, no decorrer dos anos, a cada junho, muito se tem repetido sobre a dificuldade de enfrentar e punir as violências praticadas contra as pessoas mais velhas, principalmente por se tratar de “crimes silenciosos” que ocorrem em ambientes privados, sem testemunhas e sem denúncias. Também ouvimos que, não raro, os agressores sequer se dão conta de que estão cometendo uma violência, pois encaram como naturais suas atitudes contra o bem-estar das pessoas idosas.

Ao assim agirmos, estamos cristalizando um grande equívoco!

Sim, temos que dar visibilidade à violência contra as pessoas idosas. Mas, antes de tudo, é preciso desvendarmos a verdadeira identidade dos agressores. Além de familiares, cuidadores e outros agentes da vida privada dessas pessoas, é preciso que se jogue luz sobre outro agente, tão ou mais agressivo ao bem-estar físico e/ou emocional da pessoa idosa: o Estado.

Aqui tomado em seu sentido genérico, o Estado – ou o poder público em todas as esferas e áreas de poder – por ação ou omissão comete violências diárias contra as pessoas idosas! São as intermináveis filas para atendimento médico-hospitalar, que permitem que a pessoa idosa sofra por meses e anos até a morte sem atendimento. É o tratamento interrompido, ou sequer iniciado, por falta de acesso à medicação. É o cuidado negligente em hospitais, por falta de pessoal da saúde ou por seu despreparo profissional e humanitário. São as poucas opções de educação, esporte e lazer para as pessoas idosas poderem se manter ativas física e intelectualmente. São as aposentadorias que têm seu valor aquisitivo real diminuído mês a mês, além de estarem atreladas a um sistema sob constante ameaça de ruir, causando sofrimento e insegurança contínua às pessoas idosas. É a falta de amparo social geral à pessoa idosa pobre, que não tem moradia digna, não tem família em condições de ampará-la e não tem Instituições de acolhimento onde possa se residir dignamente. São os direitos judicializados que acabam sendo julgados anos após a morte dos interessados que deles se beneficiariam. São os altos salários de muitos, em especial do legislativo e do judiciário, que humilham as pessoas beneficiárias do BPC, muitas vezes julgadas como aproveitadoras, por receber sem ter contribuído.  E tantas outras…

Há, pois, uma violência de origem estrutural e cultural que precisa ser enfrentada, que não pode ser “naturalizada”. Não se pode aceitar que por descumprimento das leis, o Estado se configure como o “grande violentador”. Ainda que a desigualdade socioeconômica não seja um privilégio das pessoas idosas, é nesta fase da vida, dadas as fragilidades que lhe são próprias, que a negligência estatal se torna mais hostil.

Essas são apenas algumas das situações de violência contra a pessoa idosa que vivenciamos todos os dias ao nosso redor e na mídia. Em público e à luz do dia!  E dessa violência pouco falamos.

Diante dessas constatações, estratégias de enfrentamento mais amplas precisam ser traçadas. Dar visibilidade à situação real da violência contra a pessoa idosa e desnaturalizar a sua existência é o passo inicial.  Daí a importância, principalmente, das ações do dia 15 de junho!

 

Associação de Nacional de Gerontologia – ANG

Quando a Violência é Praticada pelo Poder Público